sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Genes surfistas

Olá! O assunto de hoje é intimamente relacionado ao do último post, mas com um nome bem mais bacana: alelos surfistas!

Bom, no post passado sobre deriva genética, nós vimos que esta força evolutiva nada mais é do que um sorteio de variantes genéticas (ou alelos) de uma geração para a seguinte. As consequências deste sorteio são bastante intrigantes porque observamos que, mais hora menos hora, sempre chegamos a um estado de zero diversidade. Em média, este tempo de fixação (T) é igual a duas vezes o número de cromossomos na população (N): T=2*N. Enfim, deriva genética é aleatória (sorteio) e destrutiva (reduz diversidade).

Hoje, estudaremos um contexto diferente: expansões de domínio. Mas o que são expansões de domínio? Aliás, o que são domínios, antes de qualquer coisa?! Bom, domínios são a área ocupada por uma determinada população. Ou seja, é a distribuição espacial de um grupo de indivíduos. Quando esta área é aumentada, quase sempre o tamanho da população acaba crescendo com ela. Mas o que temos de mais importante neste cenário é que novas áreas passam a ser ocupadas. Para simplificar a história podemos dizer que a população inicial estava uma determinada área (ou um deme) e passou a se expandir ocupando mais demes (veja a figura abaixo). Cada um destes demes pode ser tratado como uma nova subpopulação, e o conjunto destas várias subpopulações é frequentemente chamada de metapopulação. Jargão à parte, uma população se expande, domina novos territórios e forma novas populaçõezinhas. OK, e daí?


E daí que cada vez que cada um destes novos demes é povoado, nós observamos um fenômeno chamado de efeito de fundador. Este tal efeito retrata a ideia de que, cada vez que uma nova área é ocupada, nem todos os indivíduos presentes na antiga área vão para lá. Ou seja, cada novo deme que é povoado pega uma pequena amostra daquilo que era a população original. Se essa amostragem vale para indivíduos, ela vale também para os genes dentro destes indivíduos, deixando um claro sinal genético de redução de diversidade na nova população. É como se fosse uma aceleração do efeito de deriva genética.


OK, mas cadê o tal do surfe dos alelos? Bom, os alelos pegam carona na onda de expansão também de maneira aleatória, mas quando isso acontece um padrão bastante claro é deixado para trás. A figura abaixo - extraída do artigo de Excoffier e Ray 2008 na Trends in Ecology and Evolution - retrata este padrão:


O que vemos aqui é que o alelo vermelho neste caso, simplesmente porque estava no lugar certo na hora certa (a), acabou se tornando o mais frequente nas áreas mais recentemente ocupadas (b, c). Caso o alelo verde estivesse na mesma posição o mesmo poderia ter acontecido com ele. Isto tudo acontece porque uma expansão de domínio é uma série de efeitos de fundador. A cada novo deme que passa a ser ocupado, somente uma amostra da diversidade do deme anterior é passada para ele, logo fica bastante fácil observar a fixação de um outro alelo ao longo do caminho desta expansão. Este surfe de alelos já foi estudado sob várias ângulos com simulações e tem inúmeros casos na natureza que parecem apresentar o mesmo padrão destas simulações. Entretanto, talvez o exemplo mais dramático deste efeito vem de experimentos com bactérias como o executado por Hallatschek e colegas em 2007 (PNAS) cuja figura 1 está reproduzida logo abaixo:


Aqui nesta figura, vemos o desenvolvimento de uma colônia de bactérias em uma placa de cultura (A), que se expande do centro para fora (B), e cria vários padrões de fixação do alelo vermelho ou verde como destacado (C). De maneira geral, podemos considerar o surfe de alelos como um equivalente espacial à deriva genética, que acontece dentro uma mesma população e deme ao longo do tempo. Esta ideia foi apresentada por Slatkin e Excoffier em 2012 na revista Genetics e é uma leitura muito recomendada!

Bom, por hoje é só. O surfe dos alelos deverá voltar em breve e mais artigos, uma vez que tenhamos discutido seleção natural. Fique de olho e até breve!

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Genética, Deriva Genética

Foi difícil escolher um tema pelo qual começar este blog. Existem tantos assuntos que poderiam ser interessantes para se começar, mas aqui vai a minha escolha. Hoje, vamos falar sobre deriva genética e, com deriva, vamos também começas a série "Forças Evolutivas".

Então, para começar, o que são forças evolutivas? Curto e grosso: são forças que direcionam a evolução. Evolução biológica, claro. (Mas vamos chamar só de evolução, OK?) Evolução nada mais é do que mudança ao longo do tempo. Logo, ela não é - como algumas pessoas dizem - só uma teoria. Evolução é simplesmente o fato observado no mundo de que coisas tendem a mudar com o tempo. Isso não se aplica a estrelas, planetas, continentes, rochas e os seres vivos - parte do universo que são - não são excessão.

Os mecanismos pelos quais essas mudanças acontecem, assim como os padrões deixados por estas mudanças, são o objeto de estudo dos biólogos evolutivos. Desde a assim chamada síntese moderna, quatro forças evolutivas são reconhecidas: (i) deriva genética, (ii) mutação, (iii) migração, (iv) seleção natural. Elas podem ser analisadas de acordo com seus efeitos na diversidade genética das populações. Enquanto que mutação e migração geram diversidade (construtivas), deriva e seleção são forças normalmente destrutivas, eliminando diversidade de maneira sistemática ou aleatória.

Deriva genética uma força evolutiva aleatória e destrutiva. Isso significa que deriva leva à perda de diversidade através de um processo completamente coordenado pela sorte. Analisemos estas duas características separadamente. Deriva é aleatória porque qualquer alelo (uma variante genética) na população tem a mesma chance de sucesso reprodutiva e sobrevivência. É simplesmente uma loteria: o alelo que for sortudo que chega para ser sorteado ficará na população na geração seguinte.

Na figura abaixo (tirada da Wikipédia), nós temos um exemplo de uma experiência semelhante à deriva que se pode fazer casa. Na primeira jarra (à esquerda), nós vemos uma população com metade das bolinhas azuis e a outra metade vermelhas. Agora, imagine que você queira sortear bolinhas para ver quem passará para a próxima geração (segunda jarra). Aqui, é importante observar uma coisa: só cabem 20 bolinhas em cada jarra. Então, o que você faz é colocar a mão na primeira jarra e pega uma das bolinhas sem olhar (não vale espiar!).



OK, agora coloca de volta! Você pode se perguntar: "Espera aí! Como assim?". Daí, eu diria: "Ótima pergunta!". Eis o porquê: o que nós estamos amostrando são na verdade genes que são passadas para a geração seguinte, não indivíduos. Então, por mera sorte, um indivíduo pode pode ter dois filhos enquanto que outro pode não ter nenhum. É isso que estamos tentando imitar no nosso sorteio quando colocamos uma bolinha de volta na jarra. Nós estamos repondo o pool gênico para que um mesmo alelo possa ter dois ou mais descendentes na próxima geração. Então o que você tem que fazer é anotar quais cores de bolinhas você sorteou e colocá-las de volta. Assim que você tenha feito esse mesmo processo 20 vezes (número de bolinhas que cabem na segunda jarra), você pode ir para sua gaveta cheia de bolinhas azuis e vermelhas (porque você dever ter uma, não?!) e pegar as bolinhas correspondentes àquelas anotas na sua listinha.

Agora, você pode repetir este mesmo processo algumas várias vezes e você acabará, em algum momento, com uma jarra cheia de bolinhas somente azuis OU vermelhas. Quando isso acontecer, você vai ter zero de diversidade na sua população experimental. Afinal, trata-se de um processo destrutivo para diversidade. Se esta deriva aleatória fosse a única força evolutiva atuando na natureza, o mundo seria bem chato e quase não teríamos evolução.

Tem mais um detalhe ainda. Se você tentar repetir este mesmo experimento com jarras onde cabem, digamos, 200 indivíduos, você levaria muito mais tempo sorteando bolinhas até que se chegasse a um estado monomórfico (só azul ou vermelho). Na verdade, o nosso exemplo assim foi mais rápido do que se espera, em média. E uma população de 20 bolinhas, o tempo médio que leva para se ter só um tipo de bolinha é de 40 gerações. No exemplo de 200 bolinhas, esse tempo seria de 400 gerações. E uma população bem grande, com 1 milhão de bolinhas, teríamos que esperar cerca de 2 milhões de gerações. Imagino que a esta altura, você já tenha entendido, certo? Em média, leva-se duas vezes mais tempo em gerações do que o tamanho da população em bolinhas (ou cromossomos!) para se chegar ao estado de diversidade zero.

Mas se você quer fazer esta história toda ficar um pouco mais realista (afinal nós vemos diversidade lá fora!), pelo menos mais uma coisa é necessária. Precisamos de uma fonte de novidades na população, algo que crie diversidade. No próximo artigo desta série "Forças Evolutivas", nós veremos como mutações podem assumir este papel. Mas antes disso, o próximo artigo aqui no Genética Pop será a respeito de alelos surfistas! Investigaremos esse intrigante fenômeno em que variantes genéticas pegam onda e como isso tudo está profundamente ligado com a própria deriva genética.

Até lá!

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Bem-vindos!

Oi! Seja bem-vinda(o)! Meu nome é Ricardo Kanitz, sou doutorando em genética de populações e este é o meu blog sobre divulgação científica em genética de populações. De certa forma, este blog é uma tentativa de abordar a popularização deste ramo da ciência: Genética (de) Pop(ulações)!

Aqui, tentarei ficar a par do que há de novo e clássico nesta área do conhecimento. Se você conhece algo de genética de populações, talvez esteja pensando que isto aqui não vai passar de um monte de números e equações em meio a um mar de textos incompreensíveis. Bom, esta não é a ideia! Pelo contrário, minha abordagem em relação à genética de populações tem sido muito mais intuitiva, e isto tem funcionado bem para mim. Logo, espero que funcione bem para você também.

A propósito, este blog tem uma versão inglesa aqui. Em princípio, todo conteúdo presente aqui também estará lá, e vice-versa.